Bruxelles, le 11 octobre. 2024 - 00:44:57
François Vieira
PhotoJournaliste accrédité UE
Membre du Syndicat des Journalistes à Lisbonne
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Sindicato dos Jornalistas
Recomendação sobre entrevistas a crianças e referências a grupos de pertença
Conselho Deontológico
Queixa nº 3/Q/2024
Queixa sobre a cobertura de episódio violento
numa escola básica da Azambuja.
A queixa :
O Conselho Deontológico (CD) do Sindicato dos Jornalistas recebeu uma queixa da jornalista Sofia Branco, sobre a cobertura jornalística do episódio violento que ocorreu numa escola básica do concelho da Azambuja, no dia 17 de Setembro de 2024.
A reclamante questiona o facto de dois canais televisivos da distribuição por cabo terem entrevistado "menores sobre a alegada agressão cometida por outro menor", considerando a reclamante que esta decisão editorial "viola" o Código Deontológico dos Jornalistas.
Procedimentos:
1. Os membros do CD consideraram esta queixa como matéria da sua competência. O ponto 8 do Código Deontológico dos Jornalistas determina que “o jornalista não deve identificar, direta ou indiretamente, menores, sejam fontes, sejam testemunhas de factos noticiosos, sejam vítimas ou autores de atos que a lei qualifica como crime”. Foi aberto um processo.
2. Os membros do CD decidiram visionar e analisar os espaços noticiosos apontados pela reclamante (CNN às 17h00 e SIC Notícias às 22h50), tendo optado por alargar esta análise aos principais espaços noticiosos dos três canais televisivos que transmitem em sinal aberto – RTP, SIC e TVI – às 20 horas, desse mesmo dia.
3. Os membros do CD decidiram ainda dirigir um conjunto de perguntas à Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens (CNPDPCJ) , e ao Instituto de Apoio à Criança (IAC) sobre esta matéria.
Análise:
1. Visionamento dos espaços noticiosos apontados pela reclamante e dos principais noticiários da RTP, SIC e TVI, no dia 17 de setembro:
a) Apenas a RTP não recolheu o testemunho de crianças. Todos os outros canais entrevistaram crianças e, quase sempre os mesmos dois menores, com exceção da CNN que entrevistou uma terceira criança.
b) A SIC entrevistou um menino que estava acompanhado pelo pai, que também foi entrevistado. Também entrevistou uma menina, não sendo claro neste caso se a criança estaria ou não acompanhada por adulto responsável pela sua educação.
c) A TVI entrevistou o mesmo menino que a SIC entrevistou e que continuava acompanhado pelo pai, que também foi entrevistado.
d) A CNN entrevistou três crianças, o menino e a menina que também foram entrevistados pela SIC, não sendo claro se a menina estaria ou não acompanhada por um adulto responsável. Também entrevistou uma segunda menina, que estava acompanhada pela mãe.
2. A Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens – CNPDPCJ, lembra que de acordo com o art.º 16º da Convenção Sobre os Direitos da Criança:
a) Nenhuma criança pode ser sujeita a intromissões arbitrárias ou ilegais na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou correspondência, nem a ofensas ilegais à sua honra e reputação.
b) A criança tem direito à proteção da lei contra tais intromissões ou ofensas.
3. Questionada sobre a circunstância de as crianças estarem acompanhadas por um adulto responsável pela sua educação, poder constituir uma eventual atenuante da exposição pública da sua imagem, nome e testemunho, a CNPDPCJ entende que “o acompanhamento por parte de adulto responsável é indiferente. Há a referir que, se as crianças envolvidas estiverem em situação de perigo, a sua identidade não pode ser revelada, nem transmitir elementos, sons ou imagens que permitam a sua identificação, sob pena de prática de crime de desobediência – ver art. 90.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens. Por outro lado, há que não esquecer que as crianças, enquanto cidadãs e sujeitos de Direito, não podem ser sujeitas intromissões na sua vida privada”.
4. O Instituto de Apoio à Criança – IAC, lembra que “Portugal ratificou a Convenção sobre os Direitos da Criança, em 1990, e como tal comprometeu-se a garantir as normas que dela fizeram parte e que vigoram na nossa Ordem Jurídica. Assim, o art. 17 da referida Convenção consagra o direito da criança ao acesso aos órgãos da comunicação social e à informação, procurando que esse acesso promova o seu bem estar social, espiritual, moral, assim como a sua saúde física e mental. Por outro lado, o art. 19 da mesma Convenção garante à criança o direito a ser protegida contra toda as formas de violência, seja física, psicológica ou sexual”.
5. O IAC também recorda que no ordenamento jurídico nacional a “obrigação de o Estado assegurar a protecção da infância, decorre do comando constitucional expresso no art. 69 da Constituição da República Portuguesa, e neste sentido, a Lei de Proteção da Criança e Jovens em Perigo (aprovada pela Lei Nº147/99 de 1 de Setembro com as alterações dadas pela Lei Nº142/2015 de 8 de Setembro) elenca no art. 3 algumas situações em que considera a criança em perigo, nomeadamente, quando está exposta a comportamentos que afectam a sua segurança e equilíbrio emocional”.
6. Questionado sobre a circunstância de as crianças estarem acompanhadas por um adulto responsável pela sua educação, poder constituir uma eventual atenuante da exposição pública da sua imagem, nome e testemunho, o Instituto de Apoio à Criança respondeu: “O facto de as duas crianças entrevistadas estarem acompanhadas pela mãe ou pelo pai, não nos parece motivo que justifique por si só a realização da entrevista, ou atenue eventualmente o modo como aquela terá sido conduzida”.
Deliberação:
1. Analisada a queixa feita pela jornalista Sofia Branco, o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas reitera como anteriormente afirmou que a exposição e identificação de crianças e menores – horas depois da ocorrência de um episódio violento na escola que frequentam – desrespeita o estipulado no ponto 8 do Código Deontológico dos Jornalistas: “O jornalista não deve identificar, direta ou indiretamente, menores, sejam fontes, sejam testemunhas de factos noticiosos, sejam vítimas ou autores de atos que a lei qualifica como crime”.
2. O CD lembra ainda que o disposto no Código Deontológico está alinhado com as recomendações nacionais e internacionais sobre os Direitos das Crianças, como fica claro nas respostas dadas pelo IAC e pela
3. O Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas recomenda a todos os jornalistas o dever de cumprimento do disposto no ponto 8 Código Deontológico que regula a profissão.
4. O CD não ignora a pressão que os jornalistas sentem em reportagem no terreno – com diretos sucessivos durante horas e horas – e recomenda a todas as estruturas hierárquicas de todos os órgãos de comunicação social que não permitam a exposição ou identificação de menores em contexto de reportagem sobre acontecimentos desta natureza.
5. O CD decidiu incluir nesta Recomendação o dever previsto na alínea e) do ponto 2 do Artº 14 do Estatuto do Jornalista, que estipula ser dever de todos os jornalistas: “não tratar discriminatoriamente as pessoas, designadamente em razão da ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual”.
6. O CD estende as duas Recomendações enunciadas nesta Deliberação a todos os jornalistas.
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